sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Solidariedade ou oportunidade de negócios


O terremoto que atingiu o Haiti no dia 12 de janeiro já deixou 50000 mortos e pelo menos 3 milhões de pessoas estão desabrigadas, segundo estimativas da Cruz Vermelha. Em Porto Princípe, capital do país, prédios estão em ruínas e as pessoas tem dormido nas ruas, estão sem água potável, comida, remédios e muitas pessoas ainda estão debaixo dos escombros. A população do país que já era conhecido como o país "mais pobre do ocidente" está agora em uma situação ainda mais precária, o que ainda pode piorar.
A estadunidense Fundação Heritage, um dos principais defensores da exploração de desastres para empurrar impopulares políticas pró-corporações e neoliberais, publicou uma nota contendo o que deve ser feito pelos Estados Unidos diante do terremoto no Haiti. Na nota eles afirmam: "A resposta do governo dos EUA deve ser ousada e decisiva. É preciso mobilizar recursos civis e militares para resgate e socorro, a curto prazo, e recuperação e reformas a longo prazo" - certamente reformas que preveem mais liberdade para grandes empresas privadas, privatização de empresas públicas e recursos naturais, e outras medidas que acentuam as políticas que há décadas tem deixado o país miserável. A nota chama atenção como o "frágil ambiente político da região" deve ser levado em conta na "ajuda humanitária". E, por fim, pede que os militares norte-americanos vigiem a costa, impedindo um provável grande movimento de haitianos tentando entrar ilegalmente nos EUA pelo mar "em embarcações frágeis e perigosas".
Mas, como se não bastasse, o próprio Cônsul geral do Haiti no Brasil, Gerge Samuel Antoine, também quer tirar proveito da tragédia. Em entrevista num programa de televisão na quarta-feira, afirmou que o terremoto pode ser bom, pois torna o trabalho dele conhecido. Gerge Samuel Antoine, revelando seu racismo, ainda responsabilizou a religião dos/as haitianos/as pelo desastre: "Acho que de, tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo... O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano lá tá f..."; o mesmo que fez um tele-evangelista dos EUA, quando disse que escravos haitianos fizeram um pacto com o diabo para se libertar dos franceses no século XVIII e por isso são atingidos por tragédias. É esse racismo o responsável pela tragédia haitiana.
Todos os países agora se apressam em dizer que oferecem ajuda humanitária, com comida, água, remédios ou equipes de resgates - todos elementos fundamentais e muito necessários num momento de extrema precariedade no Haiti. Entretanto, com a ocupação militar das tropas da ONU, lideradas pelo Brasil, a comunidade internacional tem governado efetivamente o Haiti desde o golpe em 2004. Os mesmos países que agora fazem alarde com o envio de ajuda de emergência ao Haiti votaram consistentemente, durante os últimos 5 anos, contra qualquer extensão da missão da ONU para além de seus objetivos estritamente militares. Propostas para realocar parte destes "investimentos" em programas para a redução da pobreza ou o desenvolvimento agrário foram bloqueadas.
De qualquer forma, nestes primeiros dias, a principal ajuda da ONU e da "comunidade internacional" está em remover os escombros do Hotel Montana, hotel de alta classe, onde poderiam estar hospedados personalidades da ONU, militares e empresários estrangeiros. A ONU gasta meio bilhão de dólares por ano para manter a ocupação militar (MINUSTAH) no Haiti. O Haiti é hoje um país onde cerca de 75% da população vive com menos de 2 dólares por dia e 56% - quatro milhões e meio de pessoas - com menos de 1 dólar por dia. Décadas de "ajuste" neoliberal e intervenção neoimperial tiraram do país e de seu povo a capacidade de gerir sua própria economia. Condições desfavoráveis de comércio e financiamento internacional garantem a permanência, em um futuro previsível, dessa indigência e impotência como fatos estruturais da vida haitiana. E agora, um terremoto pode ser mais um motivo para políticas que aprofundem essa situação no Haiti. A possibilidade de reconstrução do país não está nessa "modernização" e liberalização econômica, mas em políticas que favoreçam a auto-determinação e o fim da exploração e opressão do povo haitiano, para que inicie a reconstrução do país com a solidariedade internacional. E então os países ricos começarem a pagar pela destruição que causaram por tantas décadas.

Por DESASTRE NO HAITI 15/01/2010 às 11:36

sábado, 16 de janeiro de 2010

Um camponês contra Kátia Abreu

O pequeno agricultor Juarez Vieira Reis enfrenta na Justiça uma das líderes da bancada ruralista no Congresso, que tomou suas terras há sete anos


Eduardo Sales de Lima


O camponês Juarez Vieira Reis foi expulso em 2003 da terra onde vivia desde o seu nascimento, em Tocantins, graças a uma intervenção judicial a pedido da senadora Kátia Abreu (DEM/TO). É que ela recebeu as terras de Juarez de presente do ex-governador tocantinense Siqueira Campos. O Projeto Agrícola Campos Lindos, criado em 1999, expulsou dezenas de pequenos posseiros de suas terras para entregá-las a figurões políticos e endinheirados, entre eles, a presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), entidade que aglutina grandes proprietários rurais.


Entre as terras “doadas” por Siqueira Campos a Kátia Abreu, estavam os 545 hectares onde Juarez vivia desde o seu nascimento: a fazenda Coqueiro. Em dezembro de 2002, a senadora entrou com uma ação de reintegração de posse da área que lhe havia sido presenteada. Ela passou por cima da ação de usucapião em andamento, que dava respaldo legal à permanência da família de Juarez no imóvel. A Justiça de Tocantins aprovou a reintegração de posse e expulsou o posseiro e seus parentes.


Invasora

O despejo de Juarez, sua esposa, dez filhos e 23 netos ocorreu em abril de 2003, sem nenhum aviso prévio. Ele não pôde recolher suas criações, tanto de galinhas como de porcos, nem colher os alimentos que produziam, como mandioca e arroz. Tudo teve que ser abandonado.

A família rumou para uma chácara do filho de Juarez, nos limites de Campos Lindos, onde vive até hoje. O genro de Juarez, Rui Denilton de Abreu, aponta para um fato pouco divulgado na imprensa. Ele afirma que alguns dias depois de a família ter se alojado na casa, ocorreu um incêndio suspeito no local. “Isso foi intencional. Na minha consciência, eu sinto que isso foi um atentado à família dele. E o próprio boletim de ocorrência diz isso, que o fogo foi de cima pra baixo e de fora pra dentro. Foi acidental?”, questiona.

Passados mais de sete anos, cerca de 20 pessoas da família repartem hoje apenas dois cômodos de uma casa de sapê. E as refeições seguem irregulares. Segundo Juarez, apesar disso, o período após o despejo foi o que mais o preocupou em termos de alimentação.“Eu passava a noite inteira sem dormir, preocupado, pensando: 'será que eu vou ser obrigado a pedir comida nas casas, eu que sempre vivi de barriga cheia? Hoje eu vou ver a minha família assim por causa de uma senadora?'”, refletia.

“São sete anos nesta situação, e eu já estou com 61. Tenho medo é de morrer e deixar esse problemão para a família. Se tivesse na frente dela, eu perguntava, em primeiro lugar, se ela tem filho, se ela gostaria de ver um filho dela sofrendo igual ela está fazendo a minha família sofrer. Se ela achava bom”, desabafa.


Resistência

Mas, mesmo não tenho Kátia na sua frente, Juarez a enfrenta. E, diferentemente dos posseiros expulsos para as reservas do Cerrado, o agricultor decidiu lutar por seus direitos, pelo imóvel no qual sempre viveu. Ele tem em mãos documentos da propriedade, dos quais um data de 1958. O processo está em andamento pela Comarca de Goiatins.

Há cinco meses, ele foi à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e conseguiu forçar o Tribunal de Justiça de Tocantins a julgar tanto a ação de usucapião de 2000 como o pedido de liminar impetrado há seis anos para garantir a volta da família.

Enquanto isso, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Luiz Couto (PT-PB), encaminhou um ofício ao Conselho Nacional de Justiça para denunciar a influência de Kátia Abreu na Justiça do Tocantins e apressar os processos de pequeno agricultor.

Em nota, Kátia afirmou que é proprietária de terras no município de Campos Lindos, devidamente escriturada. Afirma ter “a posse mansa e pacífica da mesma desde a sua aquisição” e que Juarez Reis é “invasor contumaz de terras alheias”.

Fonte: Brasil de Fato

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A Criação de um Mito


A nova face da alienação política do período petista.

Pela primeira vez na história do cinema, um presidente da república ainda em pleno mandato, tem dedicada sua biografia à sétima arte, com um grande apelo à trajetória de quem venceu a fome e as péssimas condições as quais os retirantes nordestinos são submetidos desde o êxodo do sertão até chegar às favelas na periferia de São Paulo. O filme sobre a trajetória de Lula é uma superprodução para os padrões brasileiros, financiado com recursos de diversas empresas privadas, entre elas empreiteiras que estão diretamente envolvidas nas obras do PAC, tais como a Odebrecht e Camargo Corrêa e empresas prestadoras de serviços ou parceiras na exploração do Pré-sal, como o grupo EMX, do empresário Eike Batista.

Mas o que nos chama a atenção no filme não é a grande quantidade de empresas privadas que financiaram a obra e nem tão pouco a qualidade cinematográfica e oinvestimento no elenco. O que nos chama a atenção são as mensagens que estão evidenciadas nessa obra e o quanto a era Lula dá indícios de que ainda irá perdurar por algum tempo no cenário político brasileiro.

Podemos avaliar o filme em pelo menos três aspectos, sendo que todos eles são partes de um todo que pode ser resumido na tentativa da reificação de um mito vivo no imaginário da população.

O 1º aspecto trata da superação e da conquista de outro patamar de vida, ao qual de certa forma, todos(as) os(as) trabalhadores( as) são envolvidos ao se verem retratar na pele de um menino pobre, de uma família numerosa e retirante, que sonha com uma perspectiva melhor ao virem para São Paulo e que são sujeitados a todo o tipo de prova: fome, miséria, enchentes destruindo tudo nas madrugadas, humilhações etc, etc.

Lula encarna a figura do herói épico que vence com afinco as determinações às quais a classe trabalhadora estaria subjugada. Uma vez operário, ainda jovem, se horroriza com o vandalismo das greves dirigidas pelos comunistas, como o seu irmão mais velho, conhecido na época como “Frei Chico” e não vê sentido em tratar os patrões e o Governo, leia-se o capital, como os inimigos de classe dos trabalhadores( as).

Lula quer namorar, curtir o futebol, tomar cerveja e viver a vida, mesmo que sob o obscurantismo da Ditadura Militar e as perseguições e arrochos sob os quais o operariado vivia no Brasil naquele momento. Representa o trabalhador comum, mas sensível aos dilemas de seu tempo. Por sua vez, escolhe outra forma de se posicionar frente a esse contexto; critica a luta armada, o radicalismo ideológico da esquerda marxista, presente nos diálogos com o irmão.

Após a perda trágica da 1ª esposa, morta em trabalho de parto junto com o filho, Lula se deprime e envolve-se então de corpo e alma com o sindicato dos metalúrgicos do ABC, à época dirigido por um sindicalista oportunista e que possuía relações espúrias com o Governo e o empresariado.

Eis o 2º aspecto da peça, o operário comum que desde cedo não se condicionou pelo enfrentamento ideológico, mas que buscou encontrar outras formas de convivência com o capital, aceita o estabelecimento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e passa a propagandear as vantagens em se aceitar a transição, ao contrário dos comunistas que denunciavam o ataque ao direito da estabilidade por tempo de serviço. É o sindicalista que aos poucos vai retirando o sindicato do isolamento e vai condicionando aos trabalhadores do ABC uma voz ativa frente aos arrochos promovidos pela política econômica.

No filme, em seu discurso de posse em 1975, Lula reafirma que o papel fundamental do sindicato seria “buscar o entendimento” e de que “ não são os patrões os nossos inimigos”. Está plantada aí a semente ideológica de um modelo sindical que se alastrou e firmou raízes em diversos segmentos da classe trabalhadora em todo o Brasil e que alguns anos mais tarde estaria bem representada na organização político e sindical conhecida como Articulação, a principal corrente do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores ( CUT).

Nesse momento o aspecto ideológico fica muito evidente. O novo sindicalismo forjado nas lutas do ABC no final dos anos 70 e início dos 80 é um sindicalismo que superou tanto o “velho” modelo comunista, baseado na luta de classes, como também o peleguismo, típico do período intervencionista na estrutura sindical, constituindo através das greves e da mobilização de base o despertar do sonho de uma classe por um futuro mais digno e a superação das amarras da Ditadura. É o herói coletivo, aquele que encarna todo o sentimento de esperança e rebeldia de um momento histórico, de transição, mas ao mesmo tempo de estabelecimento de um novo modelo de relação entre o capital e o trabalho no coração da indústria brasileira.

O 3º e último ato da peça encerra todo o sentido da obra. Lula supera as adversidades, “conquista” junto com seus companheiros de sindicato um novo patamar não apenas para os metalúrgicos do ABC mas também para o conjunto da população brasileira ao se tornar o 1º operário eleito presidente da república.

Um líder sindical que através da persistência e da fidelidade com suas origens, imbuído de suas convicções, entre elas a de que os “patrões não são os nossos inimigos” consegue chegar ao mais alto posto do poder político no Brasil.

Enfim o filme: “Lula, O Filho do Brasil” é um fantástico documentário de propaganda política e ideológica da perspectiva social democrata, não para a época retratada no filme; mas para a nossa atualidade. Muitos críticos vêem no filme mais um elemento de campanha eleitoral para a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, o que não deixa de ser verdade. Mas essa obra também serve como elemento de propagação de uma idéia, de uma mensagem aos trabalhadores em época de crise econômica mundial e acentuada contradições no mundo do trabalho, de que assim como nos anos 70, mesmo com greves e ocupações, o diálogo e a parceria devem estar sempre à frente da condução política das lideranças de classe, sejam eles patrões ou empregados.

O modelo instaurado no ABC e ampliado pela CUT durante os anos 90 com a defesa do chamado sindicalismo de resultados perpassa hoje por uma séria onda de críticas, pois o apogeu desse modelo de sindicalismo conciliatório e institucionalizado encontrou justamente no Governo do presidente “operário” seu clímax e ao mesmo tempo seu limite histórico, pois aumenta significativamente a onda de desfiliações das entidades de base ao não identificarem mais nesse modelo sindical uma real alternativa de luta frente aos efeitos da crise.

Mesmo assim a associação do homem retirante com o líder sindical e com o presidente eleito que após ser derrotado por três vezes, não desistiu, vencendo as eleições de 2002 é justamente a síntese desejada tanto pelos que defendem o atual governo em ano eleitoral, como os que defendem o legado histórico da CUT e seus sindicatos orgânicos, como os que defendem a manutenção desse modelo de governo socialiberal, calcado na mais profunda aliança de classe já operada entre a burguesia e a nova burocracia sindical e política.

Há ainda outro elemento que não pode ser desconsiderado e nada mais justo que parafrasear o próprio presidente Lula: “nunca antes na história desse país”, um presidente que não tem condições legais de ser candidato ao próximo pleito já antecipou sua campanha para 2014 com tanta pompa e inteligência. O filme sem sombra de dúvida estará presente no imaginário da população brasileira ao longo desses próximos anos tornando-se mais um acessório de propaganda ideológica, utilizada pelo PT em torno da figura de Lula sempre que se fizer necessário, pois como bem está sintetizado em seu título, LULA seria o filho natural de toda uma nação chamada Brasil.

Nem Getúlio Vargas inspirado em Joseph Goebbels, quando criou o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) inaugurando na história da república o uso do marketing político para a auto promoção, chegaria a tanto!

Por Fábio Bezerra.

(Professor de História e Filosofia e membro do CC do PCB)