sábado, 16 de abril de 2011

Mapuches são condenados pela (in) justiça do Chile

Fonte: Página do PCB.


Afonso Costa*

Quatro índios chilenos da etnia Mapuche foram condenados a penas de 20 a 25 anos de prisão no último dia 22 de março, em um julgamento marcado por irregularidades.

O mapuche Héctor Llaitu recebeu a sentença de 25 anos de prisão. Ramón Llanquileo, José Huenuche e Jonathan Huillical foram condenados a 20 anos de prisão. Qual crime cometeram? Qual? Lutar pela sua terra, pela sua história, pela história dos seus antepassados.

A infundada acusação é de que teriam realizado um “atentado” com roubo e um suposto ataque a um fiscal em outubro de 2008.

No ano passado, os quatro mapuche fizeram três meses de greve de fome em protesto ao julgamento, que não foi baseado na legislação comum, mas sim em uma lei draconiana, a chamada Lei Anti-Terrorista. O julgamento foi calcado por várias infrações, entre a elas a adulteração de provas e a utilização de testemunhas secretas, segundo denunciou um dos advogados de defesa, Victoria Farina, que vai recorrer à Corte Suprema daquele país.

Segundo a porta-voz dos Mapuche Natividad Llanquileo, por trás da decisão existe motivação política “já que o interesse dos poderosos é manter presas as pessoas que pensam e que estão contra seu modelo econômico”.

A esposa de Héctor Llaitu afirmou que a condenação é uma repressão ao movimento dos mapuche, que lutam pela sua autonomia territorial e reconhecimento enquanto povo-nação dentro do Estado chileno. Desde a sanguinária ditadura de Augusto Pinochet os mapuche são perseguidos e suas terras vendidas para empresas privadas.

Os mapuche representam cerca de 10% da população chilena e lutam pela sua autonomia, manutenção dos seus costumes, de toda a sua história.

A história dos Mapuche: a única nação indígena jamais derrotada militarmente pelos brancos

Os espanhóis invadiram o território que hoje é o Chile em meados do século XVI (1538-1540), depois de terem assassinado e escravizado os incas, os aymarás e outras nações nas regiões que atualmente correspondem ao Peru, Equador e Bolívia. Desceram o norte do Chile com esporádicos enfrentamentos com algumas nações indígenas. Não conheciam, entretanto, a fama e a história dos mapuche.

Os mapuche jamais foram derrotados por nenhuma das nações indígenas, inclusive pelos incas, famosos pelas suas conquistas na atual América do Sul. Seu território se localizava à época entre os rios Bío-Bío, ao norte; e Tolten, ao sul, do litoral do Oceano Pacífico até a região dos lagos andinos, no centro-sul do que hoje é o Chile e em um pedaço do que hoje é a Argentina.

Quando os espanhóis ultrapassam o rio Bío-Bío a resistência mapuche foi feroz. Foram travadas inúmeras batalhas durante cem anos, de 1541 a 1641, quando no dia 6 de janeiro finalmente o rei da Espanha capitulou e através do Tratado de Quillín reconheceu que as terras abaixo do referido rio eram território mapuche.

Apesar disso, poucos anos depois, com a ascensão de um novo monarca, os espanhóis voltam a tentar ocupar as terras mapuche, novamente sem sucesso. A guerra se estendeu até 1818 quando o Chile conquista sua independência. Apenas em 1882 o exército chileno finalmente conseguiu derrotar os mapuche e aprisionar seu povo, além de enganá-los em um tratado que jamais foi cumprido.

Um povo indômito

Os mapuche foram identificados como um povo indômito no poema “La Araucana” escrito por Alfonso de Ercilla, oficial do exército espanhol que o enviou ao então rei Carlos para explicar as dificuldades do vice-rei em conquistar as terras abaixo do rio Bío-Bío.

Ele faz uma descrição apaixonada dos mapuche, na qual reconhece sua bravura em combate e sua organização militar. O primeiro grande líder militar da guerra contra os brancos (tolki em mapundungun, a língua deles) foi Lautraro ou Lautaro, há mais de uma grafia, então um jovem de cerca de 18 anos. Ele criou várias táticas militares desconhecidas pelos espanhóis. Só para se ter uma noção, a trincheira é uma invenção sua, mas que somente será usada pelos homens brancos já no século XX, na Primeira Guerra Mundial. Até hoje Lautaro é famoso entre seu povo, uma lenda que perdura na consciência de uma nação que jamais escravizou ou invadiu outras nações pois sempre amou a liberdade.

Há um belo poema em um livro de Leonel Lienlaf, ‘Se ha despertado el ave de mi corazón’, de 1990, que reproduzimos abaixo, mostra sua importância quatro séculos e meio depois de sua morte:

O ESPÍRITO DE LAUTARO

Anda acerca da vertente

bebendo a água fresca

e grita nas montanhas,

chamando seus guerreiros.

O espírito de Lautaro

caminha acerca de meu coração,

olhando,

escutando,

chamando-me todas as manhãs.

Lautaro vem buscar-me,

buscar a sua gente

para lutar com o espírito

e com o canto.

Teu espírito Lautaro

anda de pé

sobre esta terra.

*Afonso Costa é jornalista