terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Campanha pressiona contra a anistia de torturadores

Primeira iniciativa do "Comitê contra a Anistia aos Torturadores" é o lançamento de um manifesto on-line

15/12/2009

Um grupo de defensores de direitos humanos e entidades da sociedade civil lançou, na última terça-feira (08), Dia da Justiça, o “Comitê contra a Anistia aos Torturadores”, com o objetivo de impedir a anistia aos agentes da repressão.

Nos próximos meses o STF julgará a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que reivindica que a Lei de Anistia não se aplique aos crimes comuns praticados pelos agentes da ditadura civil-militar (1964-1985). O processo aguarda o parecer do Procurador Geral da República, e, em seguida, o ministro relator, Eros Grau, poderá colocar em pauta de julgamento.

A primeira iniciativa do comitê é o lançamento de um manifesto on-line, que já conta com o apoio de intelectuais, artistas, juristas, parlamentares e defensores de direitos humanos.

Entres os que subscrevem a petição estão Antonio Candido, Chico Buarque, José Celso Martinez Correa, Aloysio Nunes Ferreira, Frei Betto, Marilena Chauí, João Pedro Stedile e Sérgio Mamberti.

Para assinar o manifesto, acesse o endereço http://www.ajd.org.br/contraanistia_port.php

campanha_anistia_torturadores


APELO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO ANISTIE OS TORTURADORES!

Exmo. Sr. Dr. Presidente do

Supremo Tribunal Federal

Ministro Gilmar Mendes

Eminentes Ministros do STF: está nas mãos dos senhores um julgamento de importância histórica para o futuro do Brasil como Estado Democrático de Direito, tendo em vista o julgamento da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que requer que a Corte Suprema interprete o artigo 1º da Lei da Anistia e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os seus opositores políticos, durante o regime militar, pois eles não cometeram crimes políticos e nem conexos.

Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, portanto não podem ser objeto de anistia ou auto-anistia.

O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os carrascos da ditadura militar e é de rigor que seja realizada a interpretação do referido artigo para que possamos instituir o primado da dignidade humana em nosso país.

A banalização da tortura é uma triste herança da ditadura civil militar que tem incidência direta na sociedade brasileira atual.

Estudos científicos e nossa observação demonstram que a impunidade desses crimes de ontem favorece a continuidade da violência atual dos agentes do Estado, que continuam praticando tortura e execuções extrajudiciais contra as populações pobres.

Afastando a incidência da anistia aos torturadores, o Supremo Tribunal Federal fará cessar a degradação social, de parte considerável da população brasileira, que não tem acesso aos direitos essenciais da democracia e nesta medida, o Brasil deixará de ser o país da América Latina que ainda aceita que a prática dos atos inumanos durante a ditadura militar possa ser beneficiada por anistia política.

Estamos certos que o Supremo Tribunal Federal dará a interpretação que fortalecerá a democracia no Brasil, pois Verdade e Justiça são imperativos éticos com os quais o Brasil tem compromissos, na ordem interna, regional e internacional.

Os Ministros do STF têm a nobre missão de fortalecer a democracia e dar aos familiares, vítimas e ao povo brasileiro a resposta necessária para a construção da paz.

Não à anistia para os torturadores, sequestradores e assassinos dos opositores à ditadura militar.


Comitê Contra a Anistia aos Torturadore

Fonte: Brasil de Fato

A força de Evo na primeira eleição boliviana em São Paulo

O resultado em São Paulo em favor de Evo Morales-García Linera de 95,67% dos votos, só é comparável a de comunidades rurais do altiplano, que têm menos votantes

Salvador Schavelzon (São Paulo)

Às cinco e meia da manhã quando chegaram os voluntários da Corte Nacional eleitoral já havia algumas pessoas esperando para votar. Às oito a fila já tinha mais de 500 metros. Alguns falam em português com seus filhos, outros em espanhol mas usavam camisetas do Corinthians, São Paulo e Palmeiras. O responsável da eleição, Jorge González, que vive há 30 anos em São Paulo, foi radialista e presidiu no passado a associação de residentes bolivianos, classificou-a como o ato mais importante da história da democracia boliviana no exterior. Contou que, desde julho, organizavam a eleição e que a votação fortalece o contato dos migrantes com a Bolívia, o que percebe como uma necessidade.

O resultado em São Paulo foi uma vitória para o binômio Evo Morales-García Linera pelos 95,67% dos votos, alcançando uma porcentagem só comparável a de comunidades rurais do altiplano, que têm menos votantes.

Aqui votaram 14.293 pessoas, algumas pela primeira vez na vida, dos 180 mil que se calcula que vivem na cidade - 18.600 se cadastraram até o dia 15 de outubro (ver blog sobre o processo de registro biométrico em São Pablo: www.tuhuellatuvoto.blogspot.com). Alguns explicaram que votavam para evitar as práticas de extorsão a que a polícia os submete se não possuem algum comprovante de votação, em Porto Suarez. Uma brasileira se manifestou surpreendida com as filas, disse que nunca um brasileiro votaria em outro país se não fosse obrigado.

Em uma pesquisa de observação do dia de votação que realizamos em uma investigação para distintas universidades, havia algumas constantes. A maioria respondia ao perfil de migrante do altiplano ou dos vales, trabalhador de costura e confecção de roupas nos ateliês dos bairros do Brás e Bom Retiro em São Paulo, onde também estavam os cinco pontos de votação. Na fila se misturavam donos dos ateliês e trabalhadores de 17 horas por dia de empreitada, quase todos mandavam dinheiro a suas famílias na Bolívia e alguns inclusive tinham ali uma taxa trabalhando para eles. Havia também alguns jovens de Santa Cruz, da zona sul de La Paz ou da Llajta que haviam vindo para fazer uma especialização em medicina e que votariam em Manfred ou Doria Medina, candidatos da direita opositora de Evo. Mas nas 25 mesas do Memorial da América Latina, principal recinto de votação, o resultado era sempre mais ou menos o mesmo: 180 votos para o MAS; seis para PPB e dois ou três para GENTE, MUSPA ou Unidad Nacional.

Houve campanha em São Paulo, pela rádio da comunidade boliviana, na feira de kantuta, onde todos os domingos se comem autênticos api, picante de /pollo/ e /chicharrón/ ou se compra cartões telefônicos para fazer chamadas para a Bolívia. Para a campanha do MAS viajaram a ministra Patricia Ballivián e o deputado Juan Valdivia, porém o mais eficiente foi a voz no telefone dos familiares, e mais forte ainda, o sentimento de votar em um presidente “/que es como yo/”, segundo diziam os votantes. Para um joalheiro cochabambino as pessoas votavam em Evo Morales porque era o primeiro governo que havia se lembrado dos bolivianos no estrangeiro. Agora com o voto, antes com uma campanha de entrega de cédula de identidade.

Enquanto resolvia a situação de umas 120 pessoas “flutuantes” que não figuravam no padrão por uma falha no sistema, Eduardo Leaño, juiz da Corte Nacional Eleitoral a cargo da eleição em São Paulo, destacou a importância de que a votação não seja organizada pelo consulado, como na maioria dos países da região. Comentou que estava alcançando o máximo de porcentagem de votantes estrangeiros da América Latina, ainda quando nem sequer se alcançou 6% do total, que era o limite imposto na lei eleitoral transitória. Também observava que esta eleição era particular também porque, no geral, o voto é contrário ao partido que está no governo. Isso ocorreu na votação nos Estados Unidos, mas Espanha, Argentina e Brasil impuseram o oficialismo.

Os dados falam que, também em São Paulo, já não se trata somente de votar contra os candidatos dos velhos partidos, ou pelo Evo /cocalero /e deputado expulso do congresso da primeira metade da década. Se trata agora de ratificar um governo no poder, seus bons políticos, as nacionalizações, a nova constituição. Uma resposta à pesquisa que fala de mudança e chamava a atenção era a de vários votantes que se definiam politicamente de direita, mas que pensavam que a situação na Bolívia havia melhorado desde que Evo é presidente e votaram nele sem dúvida. Pensando em voltar e no bem-estar de seus familiares, os bolivianos paulistanos expressavam aqui o que também se via nos resultados gerais da Bolívia: um projeto político que se consolida com um caráter nacional cada vez mais inclusivo, sem alternativas consistentes e com a oposição conservadora racista cada vez menos convincente e reduzida.

Enquanto percorria a fila de votantes, alguém me chamou comentando “aí vai um que vai votar em Costas”, pensando que por meu aspecto de descendente europeu seria de Santa Cruz. Me fez lembrar que os mesmos haviam gritado para mim perto do povo Qhara Qhara quando passei ao lado dos comunários que bloqueavam as estradas que unem Oruro e Porotsí, tempos atrás. Os bolivianos que agora puderam votar e esperaram horas nas filas eram o povo boliviano das minas que enriqueceram aos barões do estanho, ou que foram relocados ao chapare (região boliviana no altiplano), os mesmos que em outra época foram lutar na Guerra do Chaco e que, mais recentemente, se mobilizaram pela recuperação dos recursos naturais ou para pedir a convocatória ao referendo da nova constituição. Até aqui haviam migrado na “época neoliberal” da qual sempre fala Evo Morales, e não é difícil entender porque se identificam com ele e o sentem seu presidente.

Fonte: Brasil de Fato

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Presidente cubano abre oitava cúpula da ALBA


Havana, 13 dezembro. A Oitava Cúpula da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, foi inaugurado hoje pelo presidente cubano, Raúl Castro, que transmitiu aos presentes, os cumprimentos do comandante-em-Chefe Fidel Castro.

No Palácio das Convenções, em Havana, reúne-se importante reunião regional, que contou com a maioria dos presidentes e chefes de delegações dos nove países membros, a quem Raúl, congratulou em nome do governo cubano e das pessoas.

Ao transmitir as saudações de Fidel disse que este segue de perto os trabalhos da reunião, que coincide com o 15º aniversário da primeira visita à ilha de Hugo Chávez e do V aniversário da fundação da ALBA por ambos os líderes revolucionários.

O presidente cubano disse que foram cinco anos de trabalho duro e de busca comum, no qual se tem alcançado resultados que ainda podem ser superado.

Ele também manifestou alegria com a vitória esmagadora do povo boliviano ao reeleger por ampla maioria o presidente Evo Morales, para um novo mandato, e lamentou a ausência do presidente legítimo de Honduras, Manuel Zelaya.

Raúl pediu aos participantes da Cúpula para contribuirem mais para o fortalecimento da ALBA, como um verdadeiro modelo de integração latino-americana.

Raúl saúda estadistas e chefes de delegações da ALBA

Havana, 13 de dezembro (AIN) o General de Exército Raúl Castro, presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros de Cuba, recebeu hoje nesta capital aos chefes de Estado e de Governo presentes na VIII Cúpula da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA).

Raúl cumprimentou pessoalmente cada um dos oito presidentes ou chefe de delegações da América Latina e Caribe que participarão da reunião, no Palácio das Convenções, a partir deste domingo e amanhã.

Bruce Goodwin, embaixador de Antígua e Barbuda em Cuba foi o primeiro a receber o aperto de mão do líder cubano, seguido por Evo Morales Ayma, Bolívia, Aaron Philbert, embaixador de Dominica ante a República Bolivariana da Venezuela e do Coordenador Nacional da ALBA .

Falconi está representado por Fander Equador Benitez, Ministro dos Negócios Estrangeiros, do Comércio e Integração, enquanto Honduras por Patricia Isabel Rodas Baca, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da nação centro-americana.

Da Nicarágua está presente o seu presidente, Daniel Ortega Saavedra, São Vicente e Granadinas por Andreas Wickham, Secretário Permanente, Ministério dos Negócios Estrangeiros e Venezuela pelo presidente Hugo Rafael Chávez Frías.

Na cerimônia formal também participaram José Ramón Machado Ventura, Primeiro Vice Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros da ilha, Esteban Lazo, vice-presidente do Conselho de Estado, Rodriguez e Bruno, o chanceler cubano, entre outros.

Tradução: Evandro Both

Fonte: http://www.cuba.cu/noticia.php?actualidad&id=3766

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Bloqueio dos EUA contra CUBA: Política Fracassada


Durante uma reunião com a Brigada Venceremos, o vice-ministro das Relações Exteriores de Cuba, Dagoberto Rodríguez, descreveu essas ações como uma política criminal.

O bloqueio é uma política criminal irracional e fracassada de Washington para derrubar a Revolução, e eles têm a responsabilidade de revogá-la, como exige a comunidade internacional, afirmou nesta quarta-feira o vice-ministro cubano, Dagoberto Rodríguez.

Durante uma reunião com membros da Brigada Venceremos, no Campamento Internacionalista Julio Antonio Mella, no município de Caimito, Rodríguez, disse que Washington ainda mantém intacto o bloqueio.

Da mesma forma, os Cinco Cubanos, antiterroristas, injustamente condenados, ainda permanecem presos em cadeias dos EUA, enquanto que em Miami gozam de impunidade terroristas internacionais como Luis Posada Carriles e Orlando Bosch, lembrou.

Durante o dia foram condecoradas com a Medalha da Amizade concedida pelo Conselho de Estado, a pedido do Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP), a brigada Alexandra Pollack (a título póstumo) e Robert Guild, por sua defesa da Revolução cubana e sua luta contra o bloqueio.

Tradução: Evandro Both

Fonte: http://www.cuba.cu/

Grupo Mundial recebe mais de 100 milhões de dólares em aliança

PANAMÁ (ACAN-EFE)- O Grupo Mundial/Panamá receberá 102,7 milhões de dólares como resultado da sua aliança com a Mapfre América, aprovada na segunda-feira em uma assembléia extraordinária da empresa panamenha, informou hoje a empresa local.

A aliança, que cria a maior companhia do setor na América Central, permitirá ao grupo panamenho obter $ 4,5 milhões em dividendos resultantes das operações de 2009, detalhou o Grupo Mundial em um comunicado.

Mapfre América, uma subsidiária da Mapfre SA e Grupo Mundial, concordou com as alianças respectivas de 65% e 35%, dos seguros de agrupamento que ambas as partes operam na América Central e Panamá.

Nesse sentido, o Grupo Mundial traz para a aliança o Grupo Mundial do Panamá, e suas filiais, da Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador e Guatemala.

Enquanto a Mapfre incorpora sua participação majoritária em sua filial a Mapfre Centroamericana SA, uma das maiores companhias de seguros de El Salvador.

No acordo também se projeta reforçar com $ 30 milhões de dólares na gestão do banco panamenho da Habitação (Banvivienda), membro do Grupo Mundial.

A aliança da Mapfre e do Grupo Mundial tornará essa uma empresa líder regional, com projecções de $ 300 milhões de dólares (204 milhões de euros) de lucros em 2009, e um patrimônio de $ 135 milhões de dólares.

Tradução: Evandro Both

Fonte: http://mensual.prensa.com/

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Polícia do DF reprime brutalmente manifestação FORA ARRUDA

Mais de 2.000 pessoas participaram do ato contra a política corrupta do governo de Arruda e aliados/as no DF nesta manhã de quarta-feira. Após o meio dia, alguns/mas manifestantes iniciaram panfletagem entre os carros, paralizando as vias do eixo monumental. Além de um ato para agregar todas as pessoas que exigem o impeachment e punição para os/as deputados envolvidos no escândalo de propina do GDF, a manifestação teve como intuito 'parar a cidade', como meio de manter o clima de ingovernabilidade coerente com a indignação sentida pela população.

A polícia repreendeu o bloqueio das pistas de maneira brutal e despropositada. Além da PM, tropas de choque, Rocam, Polícia Canina, Cavalaria e um tanque de guerra estilo caveirão/brucutu, iniciaram uma ofensiva contra os/as manifestantes avançando contra o cordão humano com cerca de 200 pessoas.

Mesmo estando desarmados/as e exercendo o direito de protesto em local público, os/as manifestantes foram atacados/as com cerca de uma dúzia de bombas de efeito moral e pisoteados pelos cavalos. Várias pessoas estão feridas e algumas foram presas.Grupos de apoio já estão na 5a Delegacia de Polícia do DF para efetuar a soltura dos/as presos/as.

Amanhã 10/12 vai ser maior: ato/assembléia as 13h na praça Zumbi dos Palmares, Conic.

Sexta dia 11/12, a Convergência de Grupos Autônomos do DF convida a população para um carnaval fora de época na Rodoviária do Plano apartir das 17hs.

Sábado dia 12/12, haverá uma uma carreata/bicicletada saindo às 9 horas do Palácio do Buriti e indo para a residência oficial do Governador em Águas Claras.

Vitória de Morales fortalece “refundação do Estado"

Na opinião de analista, com dois terços do parlamento governo iniciará “um processo de renovação institucional que marchará conforme a revolução democrática e cultural iniciada em 2006 para refundar o Estado”
Vitória de Morales fortalece “refundação do Estado”

08/12/2009


Vinícius Mansur

La Paz

Após quase quatro anos de governo Morales, período marcado por forte polarização política, incluindo episódios de extrema violência, os bolivianos voltaram às urnas para eleger seu presidente em um tranqüilo dia de domingo (6). Mais de 5,1 milhões de bolivianos escolheram também seu vice-presidente, senadores, deputados uninominais, deputados plurinominais e deputados representantes de minorias indígenas e camponesas. Nos departamentos de La Paz, Chuquisaca, Potosí, Oruru, Cochabamba e Tarija, os eleitores também opinaram pelo ingresso ou não de seus respectivos departamentos no regime autonômico previsto na Nova Constituição Política de Estado. Algumas comunidades indígenas e camponesas originárias também decidiram por aceitar ou não a autonomia especial proposta pela nova carta magna.

A conclusão definitiva da apuração deve ser divulgada nesta terça-feira (8), de acordo com a Corte Eleitoral Nacional (CNE), porém, a contagem parcial de votos já confirma a folgada vitória da dupla Evo Morales e Álvaro Garcia Linera, do Movimento ao Socialismo – Instrumento Político para a Soberania dos Povos (MAS-IPSP) para os cargos de presidente e vice-presidente.

Na noite deste domingo (6), quando os informes da CNE apontavam que o MAS-IPSP liderava a votação com 63%, Morales subiu a varanda do palácio presidencial, na Praça Murillo, no centro de La Paz, para proclamar a vitória, diante de uma multidão que o esperava. Enquanto isso, em Santa Cruz, o principal adversário do presidente na eleição, Manfred Reyes Villa (PPB-CN), que aparecia com 28% dos votos, tentou não reconhecer a derrota abertamente, mas ao final, declarou que será uma “oposição responsável”.

O terceiro colocado até agora é Samuel Doria Medina (UN), com 7%. Em quarto aparece René Joaquino (AS), com 3%. Todos os outros quatro candidatos ainda não alcançaram 1%.

Caso se mantenha essa tendência, o MAS-IPSP alcançará seu objetivo de ter dois terços dos parlamentares no Congresso Nacional, que a partir da próxima legislatura passará a se chamar Assembléia Plurinacional. Dentro do quadro atual, o MAS terá 85 dos 130 deputados e 25 dos 36 senadores.

Na atual gestão, o MAS possui maioria na Câmara de Deputados, mas o Senado é controlado pela oposição, o que significou, de acordo com os masistas, um grande entrave ao “processo de mudança”.

“Temos a enorme responsabilidade de aprofundar, de acelerar este processo. Obtivemos os dois terços e acelerar este processo é obrigação“, afirmou Morales diante da multidão na Praça Murillo.

Os números até agora indicam que o MAS ganhou nos departamentos de La Paz (78%), Oruro (77%), Potosí (75%), Cochabamba (67.5%), Tarija (48.6%) e Chuquisaca (53.1%). O partido de Manfred Reyes Villa está na frente em Beni (54%), Pando (47.5%) e Santa Cruz (53%).

Na opinião do analista Pablo Osoria Ramirez, com tamanho apoio, o novo governo iniciará “um processo de renovação institucional que marchará conforme a revolução democrática e cultural iniciada em 2006 para refundar o Estado”. Estará a cargo da próxima legislatura a implementação da Nova Constituição Política de Estado.

Fonte: Brasil de Fato

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Maluf e Tuma responderão por ocultar mortos na ditadura


Quinta-Feira, 26 de Novembro

O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) ofereceu hoje denúncia à Justiça Federal contra o ex-governador de São Paulo, deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), e o senador Romeu Tuma (PTB-SP) por ocultação de cadáveres durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Além dos dois parlamentares, foram denunciados em duas ações civis públicas o ex-prefeito da capital paulista Miguel Colasuonno, o médico legista e ex-chefe do necrotério do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo Harry Shibata, e o ex-diretor do Serviço Funerário Municipal Fábio Pereira Bueno.

O MPF-SP requer na Justiça que os cinco percam suas funções públicas e o direito à aposentadoria, bem como sejam condenados a reparar danos morais coletivos, mediante indenização de, no mínimo, 10% do patrimônio pessoal de cada um. Por se tratar de ações civis públicas, a iniciativa não ameaça os mandatos de Tuma e Maluf, protegidos pela Constituição Federal. A procuradora responsável pelo caso, Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, propôs que as indenizações sejam revertidas em medidas que preservem a memória das vítimas da ditadura.

Nas ações entregues à Justiça, o MPF-SP afirma que desaparecidos políticos foram sepultados nos cemitérios de Perus e Vila Formosa, na capital paulista, de forma "ilegal" e "clandestina", com a participação do IML e da Prefeitura de São Paulo. Segundo a procuradora, ambos contribuíram para que as ossadas permanecessem sem identificação em valas comuns dos cemitérios e atestaram falsos motivos de morte a vítimas de tortura. De acordo com a denúncia, o legista Harry Shibata teria ocultado os reais motivos dos óbitos de inúmeros militantes políticos, como, por exemplo, do jornalista Vladimir Herzog.

O MPF-SP aponta que Paulo Maluf, quando era prefeito, ordenou a construção do cemitério de Perus. De acordo com as ações, algumas valas do recinto tinham quadras marcadas específicas para receber a ossada de "terroristas". Os documentos entregues à Justiça apontam ainda que o projeto original do cemitério previa um crematório, mas a Prefeitura desistiu após a empresa contratada ter estranhado o plano, que não previa um hall para orações. De acordo com o MPF-SP, o governo municipal chegou a fazer sugestões buscando mudar a legislação para dispensar a autorização da família para realizar procedimento, o que possibilitaria que indigentes fossem cremados.

As denúncias salientam ainda a participação nas operações de agentes do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, o Deops, órgão estadual de repressão que teve como chefe o atual senador Romeu Tuma. Segundo o MPF-SP, há documentos que comprovam a ocorrência de interrogatórios "sob tortura" na instituição e que demonstram que Tuma tinha conhecimento das várias mortes ocorridas sob a tutela de policiais do Deops, mas não as comunicou aos familiares dos mortos.

As ações civis públicas oferecidas hoje pelo MPF não são as primeiras que procuram responsabilizar o Estado pela ocultação da ossada de perseguidos políticos. No Distrito Federal tramita ação, com atuação do MPF-DF e do MPF-PA, para identificar guerrilheiros e moradores da região do Araguaia, mortos na ofensiva do governo para exterminar a guerrilha na década de 1970. No Rio Grande do Sul, o MPF pediu a abertura de inquérito para que sejam apuradas as reais circunstâncias da morte do presidente João Goulart, na Argentina, em 1976.

"Depois de 39 anos, abordar de forma leviana um assunto dessa natureza é no mínimo uma acusação ridícula", disse Maluf, em nota. A reportagem procurou Tuma, mas o senador estava em voo. Segundo sua assessoria, Tuma ainda não recebeu informações sobre a denúncia.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

“Precisamos de uma Internacional de movimentos sociais”

Vice-presidente da Bolívia cobra mais iniciativa dos movimentos sociais latino-americanos e pede visão “continentalizada” da esquerda

18/11/2009


Elena Apilánez e Vinicius Mansur

de La Paz (Bolívia)


Álvaro García Linera não é um vice qualquer. Além de acumular o posto de presidente do Congresso boliviano, ele é um dos principais responsáveis pelas articulações políticas do governo de Evo Morales e talvez o mais destacado teórico do processo pelo qual passa a Bolívia atualmente. Sua larga bagagem política e intelectual, além de o credenciar a receber títulos como o “vice-presidente mais atuante do continente” ou o “intelectual mais importante da América Latina na atualidade”, também o capacita para dar largas e aprofundadas respostas, fazendo com que nossa entrevista não chegasse nem à metade das perguntas preparadas. Em meio à atribulada agenda de um vice-presidente e candidato à reeleição em campanha, Álvaro García concedeu ao Brasil de Fato duas rápidas horas de uma conversa pouco factual e mais analítica sobre o processo político que vive a América Latina, em geral, e a Bolívia, em particular.


cumbre_bolivia

Brasil de Fato – Um olhar sobre a história política latino-americana indica que, de certa forma, ela se move por ondas. O senhor acha que essa ascensão recente de governos oriundos de organizações com trajetórias de esquerda configura uma nova onda?

Álvaro García Linera – Creio que este é um ciclo muito novo e inovador sem comparação nos últimos 100 anos da história política latino-americana. A única coisa comum no século 20 foram as ditaduras militares. Fora disso, a esquerda teve presença descompassada na região. Processo parecido foi a onda de luta armada, mas não era presença vitoriosa de esquerda; era combativa, resistente, por parte da ala mais radicalizada. A vitória em Cuba trouxe uma leva guerrilheira, que nos anos 1960 estava em todo o continente. Quando a esquerda armada triunfa na Nicarágua, o continente já tinha outros ritmos, outras rotas. Então, pela primeira vez em 100 anos há uma sintonia territorial da esquerda, com governos progressistas e revolucionários. A direita já tinha essa habilidade de “continentalizar” suas ações.



Quais elementos dão unidade a essa sintonia?

O que permitiu a leva de governos progressistas foi o ciclo neoliberal. Ciclo que, mais ou menos, golpeou todos os países de maneira quase simultânea em seus efeitos e defeitos. O atual processo é muito inovador por seu caráter “continentalizado” de esquerda, pela busca de políticas pós-neoliberais – umas mais radicais, outras menos –, por ser um ascenso da esquerda através da via democrática-eleitoral, por ser a primeira vez que ela projeta estratégias de caráter estrutural coordenadas a nível continental. Antes, a esquerda tinha um olhar sobre o continente em termos da conspiração revolucionária. Nunca em termos de economia, de comércio, de criar um mercado comum, uma defesa comum. É uma série de desafios sobre os quais ela nunca tinha refletido, que tem a ver com o exercício de governo, com sua maturidade de reflexão. E também é inovador porque isso se faz sem um pensamento único de esquerda. Não há um referente comum como a URSS, por sorte; não está a China, melhor ainda. O processo de esquerda são muitas coisas agora. Pode ser marxista ultra-radical, pode ser socialista, pode ser vinculado ao pós-modernismo intelectual, pode ser mais nacionalista... e todos são esquerda. Isso é muito rico, permite uma pluralidade de reflexões, de discursos, de ideias. Não há o modelo a imitar ou uma “igreja” que dita o bom comportamento, como ditava antes. É um momento de reconstrução plural do pensamento de esquerda, ainda primitivo. Mas, temos que ver a história em processos que podem durar 50, 80 anos. Não nos desesperemos por não ter as coisas consolidadas agora, por não termos com claridade um grande programa de esquerda continental e mundial. Isso vai demorar 20 anos pelo menos, depois de várias derrotas, de várias vitórias e outras derrotas. Este é um momento germinal e ainda há pedaços do continente que estão em outro rumo. Isso é normal, inclusive, é possível prever a curto prazo uma volta parcial do pensamento e dos governos de direita em alguns países no continente e não vamos nos assustar. Lutemos contra isso, mas este é um processo longo e lento, vai requerer ainda várias levas de ascenso social e popular que permitam despertar toda a potência desse momento histórico, que ainda não se fez visibilizar totalmente. Ainda faltam novas ondas. Não esqueça que Marx usava o conceito de revolução por ondas. Elas vão e voltam, logo vêm de novo e regressam um pouco. A onda atual é das primeiras, logo haverá um pequeno refluxo à espera de uma nova onda que permitirá, a depender dos homens e mulheres de carne e osso, expandi-la a outros territórios e aprofundar as mudanças que até agora são superficiais, parcialmente estruturais.


Este processo coloca a superação do capitalismo em jogo?

Marx dizia que o comunismo é o movimento real, que se desenvolve diante de nossos olhos, e que supera a ordem existente. Não é uma questão de teoria, de discurso, é questão de realidade. E está claro que a primeira meta pautada pelas forças populares diversas do continente foi, em primeiro lugar, frear o esvaziamento social, democrático e material que caracterizou o processo neoliberal. Esvaziamento material a partir da exteriorização dos excedentes, esvaziamento social com a retirada dos direitos conquistados nos últimos 100 anos e esvaziamento democrático mediante a aterrizagem da doutrina única, liberal e individualista. O segundo momento é de reconstituir e ampliar direitos da sociedade, assumir controles do excedente econômico, expandir a geração da riqueza com sua distribuição. Essas demandas sociais surgem a partir de 1995 e são de caráter democrático-social, no sentido marxista do termo. Ainda não foram atendidas plenamente, como é o tema da terra, entretanto, elas já abriram espaço para demandas mais radicais, mais comunistas, que ainda são incipientes, parciais e fragmentadas. Veja a experiência argentina com a tomada de fábricas, as experiências no Brasil, na Venezuela, as empresas sociais na Bolívia, criadas no nosso governo, reivindicadas pelo povo, ou a potencialização dada às estruturas comunitárias, para buscar um desenvolvimento diferente à economia de escala, com tecnologias alternativas, articulações de produção. Todas elas avançam, têm a experiência de gestão e regridem. Aqui na Bolívia, com a questão da água: existia uma experiência falida [privatização da água em Cochabamba], defende-se a socialização do controle da água, implanta-se outra gestão e, em seguida, ela retrocede. Ou seja, essas potencialidades comunistas da sociedade – porque não há comunismo que não venha da sociedade, não há comunismo de decreto, não há socialismo de Estado, isso é sem sentido – têm ainda uma força muito dispersa, uma presença embrionária, não conseguem coagular, mas estão latentes. Seguindo essa leitura, hoje, em 2009, não estamos diante de uma perspectiva de superação do capitalismo. Dizer outra coisa é nos enganar. Mas emergiram ações da sociedade que apontam para o socialismo, construído pelas próprias classes trabalhadoras. Existem sinais, sementes, aflorações, mas ainda não constituem a razão dominante da sociedade.


E quanto isso amadurecerá?

Em dez, 20 anos? Não se pode definir. O que pode fazer o revolucionário é, a cada sinal de socialismo – como a reapropriação, por parte dos produtores, de sua própria produção com democratização e socialização da tomada de decisões –, reforçá-lo para que se expanda. O dever do comunista é meter-se de cabeça a cada abertura, não inventar o comunismo. O comunismo é a capacidade real do povo de produzir e se associar. Eu tenho a leitura de Marx, ao avaliar a Segunda Revolução Industrial, em 1850, que dizia que serão necessárias dezenas, milhares de lutas, de fracassos, de pequenas vitórias, depois novamente fracassos, para que, da própria experiência da classe trabalhadora, surja a necessidade de associar-se para tomar o controle da produção. E isso é uma visão muito, mas muito otimista do ciclo que está emergindo.


E que importância tem a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) e a Unasul (União das Nações Sul-americanas) neste cenário latino-americano e como o senhor vê os movimentos sociais nesse processo de integração?

A Unasul é um projeto continental, fruto da surpreendente simultaneidade de governos progressistas em boa parte do continente. Além da luta, estamos discutindo em termos de estrutura, de matéria, de economia, de sociedade, de cultura, de legislação... um grande salto. A esquerda não refletia sobre isso antes e isso é mudar nosso “chip”. Ainda não se escreveu sobre esse tema que, inevitavelmente, tem que entrar no discurso de esquerda. Ele segue sendo assunto dos funcionários das Chancelarias tradicionais, mas não é uma construção desses dinossauros. É uma construção de governantes progressistas que não tem o acompanhamento do intelecto social progressista, que está aí atônito, vendo, pasmo, esse novo ciclo. Tal projeto de integração tem que tomar em conta a unanimidade dos critérios de cada país, sendo um processo lento, estrutural. A perspectiva é boa, mas a velocidade é lenta, como tem que ser um bom processo de integração, não há que se desesperar. A União Européia está aí há pelo menos 30 anos e ainda está se construindo. Construir Estados-continente é complexíssimo, mas esse é o rumo do mundo no século 21, isso é o que vai contar no movimento de tomada de decisões econômicas.


E a Alba?

É diferente, porque é uma iniciativa de governos progressistas muito mais afins, o que permite maior velocidade em relação à Unasul. Tanto Mercosul como Alba deveriam dissolver-se no interior da Unasul, mas isso vai demorar décadas. Alba e Mercosul são estruturas de ação imediata. Vão assumir um conjunto de tarefas mais rapidamente e mais efetivamente. A Alba está articulando várias coisas ligadas à economia, usando regras que, pela afinidade política, não podem ser tomadas em outro cenário, levando adiante articulações e arranjos econômicos não baseados historicamente em relações de mercado. Ainda muito incipiente, mas, no caso de Bolívia e Venezuela, há um conjunto de atividades econômicas que já não estão necessariamente reguladas pelo mercado. Tem como parâmetro máximo o mercado, mas tentam construir intercâmbios comerciais a partir de outros critérios. São esforços audazes de complementaridade, como acontecem com os setores têxteis, do petróleo e da soja. A Venezuela tem relações parecidas com Cuba e Nicarágua. Não é retórica falar de processos crescentes de busca de outros mecanismos de integração não baseados em regulações de mercado. O recente passo do Sucre [sistema monetário comum da Alba], como um mecanismo de pagamentos entre os países, pode ser um novo piso nessa construção de algo muito novo, que não há em nenhuma outra parte do mundo. Outro passo são as empresas gran-nacionais, pertencentes aos Estados, que darão um olhar de gestão da economia de maneira regionalizada e unicamente organizada entre os países. Creio que a Bolívia vai dar esse primeiro passo da empresa gran-nacional com a Venezuela em um prazo muito curto. As condições materiais estão dadas.


E qual papel jogam os movimentos sociais nesse processo de integração?

Creio que a articulação deles em nível continental e sua participação nesses processos de integração é ainda muito incipiente. O neoliberalismo fragmentou tudo e reduziu as articulações a uma união via ONGs. Não era uma articulação autônoma. Hoje começa haver um encontro cara-a-cara de companheiros que se convidam, mas ainda avançaram pouco. Temos que ir além dos fóruns, que foram importantes nos anos 1990 para juntar 1990, rompendo as suscetibilidades de direções e de hegemonias, mas muito débeis, frouxos em seus discursos. A tomada de ações vinculantes não foi feita por nenhum dos fóruns. As pessoas retornavam para suas casas para arrumar seus papéis para convocar outro fórum. Necessitamos de uma estrutura bolchevique, que o MST tem, do movimento social. Isso tem que vir deles, não dos governos. Ainda não se criou uma plataforma continental dos movimentos sociais. Sei que isso é complexíssimo. Digamos que nem ao nível de países isso se dá, porque isso acontece em momentos espetaculares. A pauta de nacionalizações, por exemplo, dá lugar a revoluções. Mas precisamos desse esforço de nos olharmos como continente, não somente acompanharmos as ações dos presidentes. Quando há reunião da Alba, os movimentos sociais se reúnem e debatem temas complementares aos dos presidentes, melhor ainda quando os temas debatidos entre presidentes foram previamente discutidos com lideranças. Mas é necessário ir além. É dificílimo, mas talvez seja hora de projetar uma internacional continental de movimentos sociais, uma estrutura como uma internacional comunista, mas de movimentos sociais, continental e depois pensar em ir para o mundo. Diante da possibilidade de que em algum país de nosso continente a direita retome o governo, como eles não vão pautar uma mobilização? Ao fim e ao cabo, se essa leva progressista for para trás, quem mais sofrerá serão os movimentos. Eles estão obrigados a pensar continentalmente e devem defender e empurrar mais para lá esses processos. O século 21 exige novos compromissos, maiores ações e a melhor experiência a ser resgatada está nas reflexões de Marx sobre a Primeira Internacional, onde se juntaram partidos, sindicatos, agremiações, marxistas, anarquistas, socialistas... articulavam-se continentalmente com debilidade, mas com firmeza e vinculação de suas decisões. É melhor do que a Internacional leninista, e talvez a melhor referência para uma Internacional hoje não seja bolchevique, mas a comunista de Marx em seu debate fascinante com Bakunin [Mikhail Bakunin, um dos intelectuais fundadores do anarquismo]. Como se toma as decisões? É pela autoridade moral das organizações, dizia. Não se obriga a ninguém, mas todos estão comprometidos a cumprir o que decidiram. Precisamos de um novo passo já nessa década: uma internacional de movimentos sociais com maior capacidade de vinculação em suas decisões, de mobilização desde os países e com uma agenda comum debatida continentalmente por eles para defender esse processo, para controlá-lo e radicalizá-lo.


Seria necessário um ponta de lança para isso?

Modéstia à parte, creio que a Bolívia é a experiência mais avançada de movimentos sociais.


Mais do que o Brasil?

Sim. É um país menor, evidentemente, com menos gente. Mas a eficácia política-estatal do movimento é a mais radical no continente.


Essa é a originalidade do processo boliviano?

Acho que sim. Tudo isso aqui é movimento social.


No Estado?

No Estado, por fora do Estado, por baixo do Estado, por cima do Estado. Essa é uma grande discussão, temos que fazê-la. Nos causou muito dano o debate de John Holloway [do livro “Mudar o mundo sem tomar o poder”] e Marcos del Rojo, não? Eu tenho profundas discordâncias, mas respeito os companheiros. Mas tem que haver uma aliança de movimentos sociais continentais fortes que sejam os articuladores. Tem que haver uns quatro, cinco ou seis que se lancem, de maneira muito respeitosa, com democracia de base, e que articulem o debate com os demais, mas alguém tem que dar o primeiro passo, e logo.



Esse seria o sujeito revolucionário na América Latina?

O sujeito revolucionário é o que faz a revolução. Não há uma predestinação para definir quem será, esse foi o grande erro do debate ocioso da esquerda, desde antes dos anos 1950. Diziam ”esse é o que vai fazer a revolução” e seguiam esperando que o sujeito se movesse, mas ele estava em outra. Paranóico, não? O que está claro é que o sujeito revolucionário vem do mundo do trabalho sob a forma de camponês, de comunário, de indígena, de operário, de jovem, de intelectual, de integrante de associações de bairros. Isso não contradiz as reflexões de Marx, segue sendo o mundo trabalho, que se complexificou infinitamente frente ao que ele conheceu. Dependendo de qual desses espaços do mundo do trabalho assume maior protagonismo, o processo tenderá a visualizar um aspecto em detrimento de outros. Se é o mundo indígena e camponês, se visibilizará o tema da terra, da biodiversidade, e não o salarial. Em seu momento voltará a emergir o mundo do trabalho sob sua forma salarial, daqui a alguns anos, porque estamos em um processo de reconstrução do mundo salarial no continente e sua formação e estabilização vai requerer décadas. Ou se é mais do tipo de bairro, se visualizará o tema de necessidades básicas... mas são trabalhadores, como aconteceu em Cochabamba. Quem fez a Guerra da Água eram trabalhadores, mas não se moviam como sindicato de trabalhadores, se moviam como moradores. Mover-se como trabalhadores era ser demitido da fábrica. Canalizaram sua expectativa de outra forma. Não há que esperar que o operário da fábrica se una em sindicato para falar do protagonismo do mundo laboral. Ele se move de múltiplas formas, veja os sem-terra. No caso do Brasil, está claro que na medida em que há uma recomposição da produção – o Brasil, agora, como México, Filipinas, Coreia e outros seis ou sete lugares, é a oficina de produção do mundo – não haverá eficácia político-estatal do movimento social sem protagonismo forte desse mundo assalariado. Existe o Movimento Sem Terra, com linhas revolucionárias muito fortes – o que é excelente –, que assume a aposta de manter a presença da sociedade na construção de alternativas. Mas pensar um projeto de radicalização aí é também pensar em seu mundo trabalhador. Se o movimento operário não acompanhar o MST, daqui a uma década o que ele vai poder fazer, frente à necessidade que se requer semelhante potência mundial, será pouco.


E no caso da Bolívia?

Aqui, esse mundo do trabalho tem como liderança o movimento camponês-indígena, ainda que o país tenha tido alguns processos de assalariamento muito interessantes. São trabalhadores, criadores de riquezas, que têm estruturas locais associativas, formas de gestão comum da terra, trabalho individualizado, vínculos parciais com o mercado, vínculos não de mercado; e têm o protagonismo. Mas, aí no meio, estão também outros mundos laborais, assalariados, não-assalariados, que se mobilizam, mas com menor intensidade e maior dificuldade. Porém, se não conseguir avançar mais, será porque o movimento operário ainda não conseguiu mobilizar-se. Se esse mar de operários, daqui a cinco, dez ou 20 anos, não conseguir se unificar com identidade e ação coletiva, o movimento atual encontrará um limite. A chave vão ser esses dois braços, até que se reorganize o movimento da classe trabalhadora, que se rearticule diante da recomposição territorial da força de trabalho planetária.


Porém, muito se fala que não é possível entender o processo boliviano com um olhar tradicional de esquerda, com uma formação ocidental. Quais seriam essas limitações?

Não devem se meter com assessores ou algumas ONGs que os assessoram, aí está esse tipo de discurso que tem a ver com uma espécie de moda. Na central de trabalhadores camponeses, nas comunidades ou no movimento indígena em seus níveis intermediários e de base, não há esse debate falso. Muitos dos que seguem essa linha ajudam muito com seu trabalho, mas são parte de uma espécie de ressaca. Antes estavam envolvidos com uma esquerda tradicional e aderiram recentemente ao mundo indígena, o que os levou a radicalizar seus pontos de vista ostentosamente. Entende-se esse tipo de reação na medida em que, durante muito tempo, a esquerda tradicional aqui desdenhou o movimento indígena, os acusou de querer voltar a tempos arcaicos ou chamou-os de pequenos burgueses, resposta clássica dessa esquerda. Então, uma inteligência indígena se formou nos anos 1970, 1980 e 1990, como a figura de Fausto Reinaga, em rechaço a essa leitura bem primitiva. Essa inteligência se formou em batalhas contra a direita e também contra a esquerda, que repetia processos de discriminação, que dizia que a revolução era dos operários. Os camponeses eram a massa de apoio que levaria os operários nos ombros. Em cima deles, iriam os intelectuais, não era assim? Então, parte de uns convertidos recentes segue pensando nisso. Agora, no governo, nos debates da federação de camponeses ou na dos cocaleiros, há um processo rico dessa vertente camponesa-agrária-indígena com um novo marxismo. Nós lutamos por isso por mais de 20 anos. Eu briguei com todos os esquerdistas. Os primeiros textos que escrevi há 30 anos foram para brigar com trotskistas, stalinistas, maoístas, e todos me qualificaram de revisionista, de ignorante. Buscávamos um encontro entre marxismo e indianismo e acho que foi frutífero. Reivindico minha vertente marxista, às vezes me reivindico indianista, ainda que não seja indígena, e daí?


Como se encontraram essas vertentes?

O indianismo teve a grande virtude de denunciar a colonialidade do Estado – e não poderia vir de outros que não eles –, mas era impotente na questão do poder. Diziam “todos eram índios” e temos “que indianizar o Estado”. Muito bem, e como se faria isso? O seu discurso era denunciativo, mobilizador, mas somente denunciativo. A vertente marxista pautava o tema do poder, mas com suas incompreensões, o fazia à margem do movimento indígena, portanto, era um tema de elites. Assim, era impossível definir uma estratégia discursiva e de alianças que permitisse o acesso ao poder. Mas, no fim do século 20, indianismo e marxismo se fundem.


Essa é a originalidade do processo boliviano?

Em termos de discurso e de criação teórica-intelectual, sim. Isso permitiu criar um cenário de estratégia. Em termos de ação política, é a grande mobilização de massas: sublevações, bloqueios, marchas, levantamentos, insurreições.


E esse discurso tem muita distância com o discurso que há hoje?

Não, de jeito nenhum. Vou contar o que aconteceu com o Evo, quando iniciamos o programa Juancito Pinto [que dá bolsa aos estudantes do ensino fundamental], em 2006. Fomos entregá-lo no norte de Potosí [departamento no oeste boliviano]. Um jovem do campo se aproximou e perguntamos: “Como está? Em que série está?”. “Estou no terceiro básico, tenho oito anos”, disse. “E o que você fez com o seu bônus?”, perguntamos. “Estou guardando para me preparar para ser presidente como você”. Ah, por favor... É a melhor resposta que poderia dar. Quando um indígena coloca como possibilidade de vida ser governante, o tema do poder se converte em um feito próprio, porque era uma questão de submissão! O poder era de poucos brancos e formados, e agora um camponês do norte de Potosí, a zona mais pobre do país, dizia “eu também posso ser presidente”. Temos aí uma revolução cultural.


Há um simbolismo forte aí, mas até que ponto as bases realmente estão discutindo as transformações políticas? Qual é a proximidade das bases e da intelectualidade?

São espaços diferentes. Há o mundo da academia, que recebe para pensar 24 horas, e o mundo da vida laboral, associativa, sindical, do movimento camponês. Espaços diferentes que possuem canais de comunicação e distintas linguagens. No tema das alianças: a academia pode falar de bloco de poder, pode usar Gramsci, enquanto do outro lado a discussão é apoiar ou não os moradores desse bairro, se apoiamos ou não alguma candidatura. É o mesmo tema verbalizado de distintas maneiras. As mesmas preocupações da base são levadas para a academia e, na academia, de tudo que se reflete, poucas coisas são debate nas bases. Mas existem momentos em que eles se aproximam mais, criando um espaço de intervenção maior; e aí são os grandes ascensos. Quando a reflexão dessa intelectualidade progressista é o debate das assembleias. Quando o que surge em um jornal, em algum panfleto, em algum discurso, rapidamente é retomado pelos níveis dirigentes e levado à base. Essa é a dinâmica. É impossível isso ser permanente, porque são espaços diferentes no tempo e na forma de vida. Creio que em nenhuma parte isso se deu. A imagem que temos dos sovietes e do Partido Bolchevique está um pouco idealizada. O fato de que nas fábricas os operários liam Lênin não era verdade. Pensar essa fusão do espaço intelectual com o movimento social é impossível. Existem aí vasos comunicantes fluidos que levaram, inclusive, o âmbito intelectual a mudar em dez anos. O que debatiam os intelectuais antes? Governabilidade e coisas assim. Hoje debatem na universidade pública, e até nas privadas, a nova Constituição. Mesmo os setores conservadores têm que refletir sobre os fatos, tem que saber como o Direito Penal vai estar vinculado com a Nova Constituição. Hoje existem vasos comunicantes. Em certos momentos são rios comunicantes, ou fusões parciais, e logo separações, como em qualquer processo de transformação; outra vez. por ondas. Nada é definitivo, perpétuo ou já dado. A ideia de revolução permanente não é tão certa. Estes oito anos intensos na Bolívia demonstram essa dinâmica de ondas que falava Marx, mais do que o linear que nos dizia Trotski.


E como você avalia o protagonismo das mulheres na Bolívia?

O que está claro é que as mulheres têm uma forte presença no movimento indígena aqui, fazendo-se respeitar gradualmente com muitas dificuldades porque o movimento tem estruturas machistas. O presidente Evo, a cada dia, está recordando e convocando as mulheres a romper essas muralhas. Mas é onde mais se desenvolveu sua presença, mesmo que ainda lhe falte muito. E, no caso da classe trabalhadora, a metade da força de trabalho é mulher, jovem, mas o sindicalismo ainda é velho. Não dá espaço a elas, não as reconhecem e as mulheres preferem mover-se como estudantes, integrantes de associações de bairro ou donas de casa, ainda não como trabalhadoras. Vai ser necessário um grande processo em que se modifique o sindicato herdado, uma estrutura hierarquizada por gênero. Só um sindicato que modifique a questão dos horários, dos discursos, porque esses são mecanismos que anulam as mulheres, vai permitir reorganizar esse novo mundo do trabalhador jovem, feminizado pela presença de mulheres. O sindicato precisa ser apoiado por muitas partes para tomar outra modalidade organizativa e, sem mulheres, não vai haver movimento sindical, porque o velho movimento sindical masculinizado desapareceu.



Desapareceu?

Não no sindicato. Mas a condição masculina para ser trabalhador desapareceu e o sindicato que se construiu no século 20 correspondia a essa condição. Por isso, ele não dialoga com essa nova condição operária. As práticas, o discurso, o saber, a dinâmica desse novo mundo trabalhador, jovem e com muitas mulheres, não entra nas estruturas masculinizadas. Precisamos de novas estruturas e isso vai tardar 20 anos. Há que se ver a história a longo prazo, temos um mundo por ganhar neste século.



E o movimento estudantil na Bolívia hoje?

Não há movimento estudantil hoje. Existiu nos anos 1970, assumindo a liderança nas marchas, mobilizações, no debate público, na construção de assembleísmo, de democracia radical de base, de vinculação com as lutas populares. O momento culminante foi em 1983 e 1984. Mas há que se estudar a modificação da composição social dos universitários. Creio que isso é em todo o continente. Nos anos 1970 e 1980, a universidade pública estava composta por estudantes de classe média e média-alta. Pessoas que tinham certa estabilidade econômica, que não estavam buscando um ascenso social, senão uma estabilização e uma continuidade de sua condição. Portanto, tinham mais tempo para os estudos, para a mobilização e, em seu objetivo geracional, não havia competição por ascenso social. Nos anos 1980, começa s ampliação dos setores populares nas universidades. Em 1980, eram 60 mil estudantes em universidades públicas da Bolívia, no ano 2000, já eram 300 mil. A incorporação dessas classes populares traz consigo a ilusão do ascenso social via educação. Uma ilusão, mas uma ilusão bem fundada. Então, esses estudantes entram com outra vontade: não estão ali para ver o tempo passar, não vêm para consolidar sua condição social, vêm para buscar a ascensão. Seu ser social na universidade tem outra intencionalidade. Então, não tem tempo para assembleia, porque têm que trabalhar e estudar. Alguns demoram uma hora caminhando desde El Alto, depois têm que ir de novo a trabalhar, têm que cuidar dos filhos, dar atenção à família, não há processo de nucleamento dentro da universidade. Não estão aí para reclamar maior democracia no âmbito universitário. A eles, interessa o diploma o mais rápido possível. Porque precisa disso para o seguinte passo. Na década de 1970, eram outras expectativas materiais. Hoje, eles querem reconhecimento profissional e classista que lhes permita passar à outra classe.


linera_bolivia

Nascido em Cochabamba, em 1962, Álvaro García Linera é formado em matemática na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e sociólogo autodidata. Ao regressar de seus estudos, começa sua militância na Bolívia, vinculado às Células Mineiras de Base, grupo que se funde aos Ayllus Rojos nas atividades de propaganda e organização de comunidades do altiplano. Posteriormente, ingressa no Exército Guerrilheiro Túpac Katari (EGTK) – uma das poucas forças guerrilheiras propriamente indígenas da América Latina –, onde é destacado para atuar com formação política e pesquisa de comunidades indígenas. Em 1992, é preso, acusado de sublevação e levantamento armado, ficando encarcerado por cinco anos, tempo em que escreve uma de suas principais obras, o livro “Forma valor e forma comunidade”. Ao ser libertado, é convidado para ser professor do curso de sociologia da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), a universidade pública de La Paz. Em 2006, assume a vice-presidência, ao lado do presidente Evo Morales, pelo Movimento ao Socialismo (MAS).

Muros, mortos e mentiras


“«O adeus ao comunismo? Provocou um milhão de mortos». O título não é duma publicação comunista. É dum jornal do grande capital italiano, o Corriere della Sera (9.11.09), que noticia um estudo de professores de Oxford e Cambridge, publicado na conceituada revista médica britânica The Lancet”.

Jorge Cadima* - 22.11.09

«O adeus ao comunismo? Provocou um milhão de mortos». O título não é duma publicação comunista. É dum jornal do grande capital italiano, o Corriere della Sera (9.11.09), que noticia um estudo de professores de Oxford e Cambridge, publicado na conceituada revista médica britânica The Lancet. «Baseados nos dados da Unicef, de 1989 a 2002» os autores afirmam que «as políticas de privatização em massa nos países da União Soviética e na Europa de Leste aumentaram a mortalidade em 12,8% […] ou seja, causaram a morte prematura a um milhão de pessoas».

Morreu-se mais lá onde se adoptaram as “terapias de choque”: na Rússia, entre 1991 e 1994, a esperança de vida diminuiu em 5 anos». Conclusões de estudos anteriores foram ainda mais gravosas. Como escreve o Corriere della Sera, «A agência da ONU para o desenvolvimento, a UNDP, em 1999 contabilizou em 10 milhões as pessoas desaparecidas na telúrica mudança de regime, e a própria UNICEF falou em mais de 3 milhões de vítimas». Foi para celebrar estes magníficos resultados que o estado-maior do imperialismo se reuniu em Berlim, com pompa, circunstância e transmissões televisivas infindáveis, numa comemoração de regime dos 20 anos da contra-revolução a Leste.

O balanço da restauração do capitalismo é ainda mais grave. Mesmo sem falar no sofrimento dos vivos a Leste – o alastrar de pobreza extrema, dos sem-abrigo, da prostituição, da toxico-dependência ou a emigração em massa para sobreviver – os efeitos das contra-revoluções de 1989-91 fizeram-se sentir em todo o planeta. As «terapias de choque» dum imperialismo triunfante e ávido de reconquistar as posições perdidas ao longo do Século XX tornaram-se uma mortífera realidade global, e tiveram em 2008 o seu corolário inevitável: a maior crise do capitalismo desde os anos 30. Uma escalada de mortíferas guerras foram ao mesmo tempo desencadeadas pelo imperialismo, liberto do contrapeso dos países socialistas. Muitas centenas de milhares de mortos (mais de 650 mil só no Iraque, segundo outro estudo publicado em 2006 na Lancet) são o fruto «da queda do Muro» no Golfo, na Jugoslávia, no Afeganistão, no Iraque, no Líbano, na Palestina, e agora no Paquistão – para não falar das agressões «menores».

E foram acompanhadas pelo «Gulag» de prisões secretas dos EUA espalhadas por todo o mundo, no qual desaparecem milhares de pessoas raptadas e torturadas por um sistema de repressão acima de qualquer controlo. Os dirigentes do «mundo livre» que se juntaram, ufanos, em Berlim, são todos responsáveis por este banho de sangue e repressão. Podem mostrar-se de cara simpática e tratarem-se amigavelmente por Hillary, Angela, Nicolas, Bill, Tony ou «porreiro, pá». Mas das suas mãos escorre o sangue e sofrimento de milhões de pessoas em todo o planeta – de Peshawar a Guantanamo (que continua aberta), de Abu Ghraib às Honduras (que continua sob controlo dos golpistas e a indiferença da comunicação social «democrática»), das «maquiladoras» mexicanas aos campos de refugiados palestinos (que continuam – há 60 anos – à espera do seu Estado).

Pelo «Gulag» democrático-ocidental passou Khalid Shaikh Mohammed, que vai agora a julgamento nos EUA, acusado de ser o responsável primeiro do 11 de Setembro (mas não era o Bin Laden?). Segundo o New York Times (15.11.09) «foi submetido 183 vezes à técnica de quase afogamento chamada 'waterboarding'». O jornal afirma que ele também se diz responsável «por uma série de conspirações» como «tentativas de assassinato do Presidente Bill Clinton, do Papa João Paulo II e as bombas de 1993 no World Trade Center».

Mais um afogamento simulado e confessaria também ser responsável pelo aquecimento global e o sumiço de D.Sebastião em Alcácer-Quibir. Mas atente-se na vida do acusado: paquistanês, criado no Kuwait e diplomado por uma universidade americana viajou, após os estudos «para o Paquistão e o Afeganistão, a fim de se juntar aos combatentes mujahedines que, nessa altura, recebiam milhões de dólares da CIA para lutar contra as tropas soviéticas» (NYT, 15.11.09). Afeganistão hoje ocupado e onde «segundo responsáveis da NATO […] um terço dos polícias afegãos são toxicodependentes» (Sunday Times, 8.11.09). Admirável mundo novo que a «queda do Muro» pariu!


Jorge Cadima é Professor universitário e analista de política internacional

Avante nº 1.877 de 19 de Novembro de 2009

ttp://www.odiario.info/b2lhart_imp.php?p=1380&more=1&c=1

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A resistência diz um não categórico às eleições-farsa de 29/Novembro

A Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado comunica à população hondurenha e à comunidade internacional:

1. Ao haver vencido o prazo estabelecido para quinta-feira 5 de Novembro às 12 da noite sem haver sido restituído o presidente legítimo Manuel Zelaya Rosales, declaramos nosso desconhecimento activo do processo eleitoral de 29 de Novembro deste ano.

Eleições promovidas por um regime de facto que reprime e atropela os direitos humanos e políticos dos cidadãos e cidadãs seriam só uma forma de validação da ditadura da oligarquia a nível nacional e internacional, e um método para assegurar a continuação de um sistema que marginaliza e explora os sectores populares para garantir os privilégios de uns poucos.

A participação em tal processo daria legitimidade ao regime golpista ou ao seu sucessor que se instalasse fraudulentamente a 27 de Janeiro de 2010.

2. O desconhecimento da farsa eleitoral manter-se-á firme ainda que durante o período compreendido entre o dia de hoje e o dia 29 de Novembro fosse restituído no seu cargo o Presidente Manuel Zelaya, uma vez que 20 dias ou menos é um lapso muito curto para desmontar a fraude eleitoral que se forjou para assegurar que um dos representantes da oligarquia golpista seja imposto para dar continuidade ao seu projecto anti-democrático e repressor.

O que antecede não significa que renunciámos à nossa exigência fundamental de devolver a Honduras a ordem institucional, que inclui o retorno do presidente Zelaya ao cargo para o qual foi eleito pelo povo hondurenho por quatro anos.

3. Hoje, mais do que nunca, demonstra-se que o exercício da democracia participativa através da instalação da Assembleia Nacional Constituinte não só é um direito inegociável como a única via para dotar a população hondurenha de um sistema político democrático e includente.

4. Denunciamos a atitude cúmplice do governo dos Estados Unidos, que manobrou para dilatar a crise e agora mostra a sua verdadeira intenção de validar o regime golpista e assegurar que o governo seguinte seja dócil aos interesses das companhias transnacionais e seu projecto de controle regional. Por isso, consideramos correcta a decisão do Presidente Manuel Zelaya de declarar fracassado o Acordo de Tegucigalpa que faz parte da estratégia norte-americana de dilatar a sua restituição para validar o processo eleitoral.

5. Fazemos um apelo às organizações e candidaturas políticas que se postulam para o 29 de Novembro a que mostrem uma atitude consequente com os compromissos assumidos anteriormente e se retirem publicamente da farsa eleitoral.

6. Convocamos a população organizada e não organizada a somar-se às acções de repúdio à farsa eleitoral e a promover as acções de desobediência civil que realizaremos amparando-nos no artigo 3 da Constituição da República que nos dá direito à desobediência e à insurreição popular.

7. Aos governos e povos irmãos do mundo apelamos a que mantenham a pressão política para derrotar a ditadura militar imposta pela oligarquia e o imperialismo, assim como a desconhecer as falsas eleições de 29 de Novembro e as autoridades espúrias que pretendam apresentar-se como representantes eleitos pelo povo.

RESISTIMOS E VENCEREMOS

Tegucigalpa, 9 de Novembro de 2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

CARTA DE ANITA LEOCÁDIA PRESTES AO PRESIDENTE LULA

Exmo. Sr. Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva.

Na qualidade de filha de Olga Benário Prestes, extraditada pelo Governo Vargas para a Alemanha nazista, para ser sacrificada numa câmera de gás, sinto-me no dever de subscrever a carta escrita pelo Sr. Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional, na certeza de que seu compromisso com a defesa dos direitos humanos não permitirá que seja cometido pelo Brasil o crime de entregar Cesare Battisti a um destino semelhante ao vivido por minha mãe e minha família.

Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes

Saudação ao Povo Negro

(Nota Política do PCB)

O Partido Comunista Brasileiro associa-se às celebrações pela passagem do Dia da Consciência Negra.

O comprometimento de nosso partido para com as lutas pela valorização do povo negro brasileiro vem de longa data. Já em julho de 1930, denunciávamos a persistência de elementos de escravidão na situação real experimentada pelos negros do país, não obstante a tão propalada Abolição da Escravatura. Neste mesmo ano, nas eleições presidenciais, apresentamos ao povo a candidatura de Minervino de Oliveira, militante de nosso partido, que se tornou então o primeiro negro e o primeiro operário a disputar a presidência da república.

Em nossa Primeira Conferência Nacional de julho de 1934, realizada na mesma época em que se iniciava a propagação da tese da “democracia racial brasileira”, denunciávamos o racismo das classes dominantes e nos comprometíamos a apoiar todas as lutas pela igualdade de direitos econômicos, políticos e sociais de negros e índios.

Ainda em meados da década de 30, o intelectual comunista baiano Edison Carneiro iniciava uma vasta e significativa obra de investigação e resgate da cultura afro-brasileira, tornando-se um dos pioneiros em tal campo de estudos e uma referência fundamental até os dias de hoje. Este mesmo Edison Carneiro, com o apoio de outros intelectuais comunistas como Jorge Amado e Aydano do Couto Ferraz, criava, no ano de 1937, a União de Seitas Afro-Brasileiras, a primeira entidade criada no país com o objetivo de proteger e cultivar os valores e as tradições religiosas de matriz africana.

Na década de 1940, o PCB solidificou seu engajamento na luta contra o racismo e em defesa da cultura afro-brasileira. Sob sua legenda elegeu-se, em 1945, Claudino José da Silva, primeiro negro a exercer mandato parlamentar e primeiro constituinte negro da história do Brasil. Durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1946, coube ao escritor e deputado comunista Jorge Amado a elaboração do projeto da primeira lei federal que estabeleceu a liberdade para a prática das religiões afro-brasileiras. Este período registra também a criação do Teatro Experimental do Negro, que tem como um de seus principais expoentes o ator, poeta e teatrólogo comunista Francisco Solano Trindade, que marcaria com sua atividade intensa a arte popular brasileira das décadas seguintes. Alguns anos mais tarde, apareceram os primeiros trabalhos de Clóvis Moura, então vinculado ao PCB, cuja contribuição aportaria uma importante contribuição aos estudos históricos e sociológicos sobre o negro no Brasil.

Se no passado nós comunistas estivemos presentes em praticamente todos os momentos relevantes da trajetória do povo negro brasileiro, no presente continuamos a apoiar e nos envolver com essas lutas. Apoiamos as reivindicações imediatas e conquistas parciais do movimento negro brasileiro, como o acesso ao ensino público e gratuito de qualidade, o estabelecimento de reservas de vagas das universidades públicas, a titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombos e o Estatuto da Igualdade Racial. No entanto, compreendemos que nenhuma destas conquistas parciais estará assegurada no futuro enquanto perdurarem: a) o esvaziamento e sucateamento das universidades públicas, a privatização e a mercantilização do ensino; b) o controle do Estado pelos grandes proprietários fundiários e a subordinação da política agrária do governo aos interesses do agro-negócio; c) a hegemonia dos interesses do grande capital nacional e internacional no interior da sociedade brasileira e a subordinação das necessidades do povo à lógica da acumulação capitalista.

Para que as atuais conquistas sejam mantidas e aprofundadas e para que novas sejam alcançadas é essencial que as lutas do povo negro, sem prescindir de sua especificidade, estejam combinadas às lutas gerais do povo e dos trabalhadores brasileiros. É necessário somar esforços aos movimentos em defesa de uma universidade pública gratuita e de qualidade, voltada para a resolução dos problemas nacionais e para a promoção social das classes populares, apoiar as ações contra o monopólio da propriedade da terra pelos grupos latifundiários e por uma reforma agrária ampla e radical, mobilizar-se enfim, por um poder político que seja a encarnação da vontade de negros e negras, trabalhadores das cidades e dos campos, pequenos proprietários urbanos e rurais, artistas e intelectuais avançados.

Salve o Dia da Consciência Negra!

PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB)

20 de novembro de 2009